Num mundo em que a supostamente inviolável hegemonia da globalização mescla à expansão da intercomunicação digital a instabilidade das fronteiras terrritoriais, étnicas e culturais, crescentemente provocada por processos migratórios e ações afirmativas, a paisagem urbana se torna cada vez mais crucial, uma vez que oferece àqueles que a partilham, temporária ou permanentemente, a chance de apreendê-la como patrimônio, memória e campo de conhecimento para a vida em comum. Orientar-se, tomar distância ou achegar-se, rodear, experimentar outros pontos de visata e entender as implicações de sua situação e escala são ações que oferecem aos seus intérpretes chaves de acesso a um longo e paciente aprendizado do que se depende para coabitar e conviver.

Neste terceiro e último volume da série Paisagens em movimento: Rio de Janeiro e Lisboa, cidades literárias, publicada no âmbito do projeto "Páginas Paisagens Luso-Brasileiras em Movimento", desenvolvido no Polo de Pesquisas Luso-Brasileiras, sediado no Real Gabinete Português de Leitura, com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – Faperj, leem-se 18 estudos acerca das duas cidades em obras de Almeida Garrett, Machado de Assis, Julia Lopes de Almeida, Fernando Pessoa, Gilka Machado, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Fernando Namora, Sophia de Mello Breyner Andresen, Clarice Lispector, Teolinda Gersão, António Lobo Antunes, Antonio Cicero, Luiz Ruffato, Alexandra Lucas Coelho, Luís Quintais, Rodrigo Lacerda, Manuel de Freitas e Golgona Anghel. Junta-se a eles, ao fim, uma profícua análise das possibilidades de articulação entre a literatura, o espaço urbano e os deslocamentos de motivação turística, com os quais se traça, pouco a pouco, uma tríplica cartografia: paratextual, hermenêutica e biográfica.

Que assim cada leitor tenha a oportunidade de visitar ou retornar a esses dois portos-moradas literariamente renovados ao longo da história; descobrir-se ou assegurar-se de que se compõem ou refazem; surpreender-se com ou interrogar suas heranças ou destinos, proporcionando eventuais experiências de leitura autêntica e inigualável, meio seguramente proveitoso de mantê-los abertos ao intercâmbio de todos. Ao qual não há por que opor-se, sobretudo e afeiçoado pelo uso humanizado da linguagem.