Notas totais sobre partículas

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  • Editora7 LETRAS
  • Modelo: 9555593
  • Disponibilidade: Em estoque
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Já se disse que a filosofia (e eu acrescentaria a poesia) é mais do que uma matéria, é uma intensidade. As conversas sobre a economia, sobre a vida, as árvores, os dias, podem adquirir, a partir de um ponto, uma intensidade que é filosofia, ou outra intensidade que é poesia. Silvia Saes, poeta, professora de filosofia, autora de instigantes livros sobre Wittgenstein, tem tantas intensidades, e ao escrever poesia revela tantos recursos, que não é de admirar que tenha agora dado à luz um livro denso e múltiplo, de arrebatadora beleza. Dos mais especiais que tenho lido.

Sobre seus múltiplos recursos: na primeira das duas partes do livro, chamada “o dorso indócil do tempo”, muitas vezes o poema parece fazer fronteira com o koan zen budista: “dentro de uma pedra / tem outra pedra / e dentro desta / tem uma outra / que também / tem pedra / dentro / dela”; outras vezes é o pop que parece piscar o olho para o poema no letreiro do Bates Motel, no coração do emoji; o poema também surge como um desvio inesperado da notação filosófica (ver o poema que se abre com: “A ideia pensada como um focus imaginarius da razão”); às vezes a notação direta é tão repleta de significado que o poema parece constituir-se poema justamente no gesto de sair de cena, para que alguma luz passe pelo que a história prefere esconder: “No antigo Convento de São Francisco do Paraguaçu tem uma masmorra. Lugar úmido e escuro, no subsolo, abaixo da linha da maré. As paredes contêm ganchos enferrujados onde escravos acorrentados aguardavam o fim do castigo com a subida da maré. Se alta ou muito alta seria, ninguém sabia, mas caso não se afogasse, o pendurado morreria de pneumonia”.

Sobre sua intensidade: na segunda parte do livro, “Enquanto a memória queima”, os poemas flertam menos com o aforismático da primeira parte, e se desdobram mais, se estendem. O “eu” está menos de passagem, centelha, relâmpago, e, palco aberto pela quebra da quarta parede, desenvolve quase-monólogos, visita a “deep web do pensamento / flores absurdas abrem e fecham /polinizando” e quer “ouvir os riachos embaixo do enredo”. A imagem do riacho é boa porque aqui é de fato a escrita em fluxo, e não em flecha, que interessa: “a startup chegou no meio dos mandacarus / você fala / que dá para ouvir os punhais sendo afiados / mas não chega à flor dos lábios o símile sagrado guardado em / sigilo enquanto corre em / você um rio de palavras”. São muitos e belos os biografemas que lemos entre os poemas dessa sessão (ver o poema “Por ora”), onde também a indignação com os contrastes de um dos países mais injustos do mundo sobressai em poemas como “O dragão branco” e “Brumadinho”.

Mesmo sabendo da impossibilidade de dar conta de todos as camadas do livro, chamo atenção, aqui no fim de minha apresentação, para um aspecto mais discreto da poética de Sílvia Saes e que é responsável por alguns de seus poemas que mais me ficaram gravados na mente e no coração. Falo da Sílvia retratista de poemas como “Floricultura” e “Temporal”. Há algo nesse olhar para a estaticidade do homem em sua floricultura e para o dinamismo da cena da mulher surpreendida pela chuva que mostra que a globalização da indiferença em que vivemos não é o único caminho, não é rua de mão única. Deste livro saímos com mais esperanças do que entramos.
Características
Autor Sílvia Saes
Biografia Já se disse que a filosofia (e eu acrescentaria a poesia) é mais do que uma matéria, é uma intensidade. As conversas sobre a economia, sobre a vida, as árvores, os dias, podem adquirir, a partir de um ponto, uma intensidade que é filosofia, ou outra intensidade que é poesia. Silvia Saes, poeta, professora de filosofia, autora de instigantes livros sobre Wittgenstein, tem tantas intensidades, e ao escrever poesia revela tantos recursos, que não é de admirar que tenha agora dado à luz um livro denso e múltiplo, de arrebatadora beleza. Dos mais especiais que tenho lido.

Sobre seus múltiplos recursos: na primeira das duas partes do livro, chamada “o dorso indócil do tempo”, muitas vezes o poema parece fazer fronteira com o koan zen budista: “dentro de uma pedra / tem outra pedra / e dentro desta / tem uma outra / que também / tem pedra / dentro / dela”; outras vezes é o pop que parece piscar o olho para o poema no letreiro do Bates Motel, no coração do emoji; o poema também surge como um desvio inesperado da notação filosófica (ver o poema que se abre com: “A ideia pensada como um focus imaginarius da razão”); às vezes a notação direta é tão repleta de significado que o poema parece constituir-se poema justamente no gesto de sair de cena, para que alguma luz passe pelo que a história prefere esconder: “No antigo Convento de São Francisco do Paraguaçu tem uma masmorra. Lugar úmido e escuro, no subsolo, abaixo da linha da maré. As paredes contêm ganchos enferrujados onde escravos acorrentados aguardavam o fim do castigo com a subida da maré. Se alta ou muito alta seria, ninguém sabia, mas caso não se afogasse, o pendurado morreria de pneumonia”.

Sobre sua intensidade: na segunda parte do livro, “Enquanto a memória queima”, os poemas flertam menos com o aforismático da primeira parte, e se desdobram mais, se estendem. O “eu” está menos de passagem, centelha, relâmpago, e, palco aberto pela quebra da quarta parede, desenvolve quase-monólogos, visita a “deep web do pensamento / flores absurdas abrem e fecham /polinizando” e quer “ouvir os riachos embaixo do enredo”. A imagem do riacho é boa porque aqui é de fato a escrita em fluxo, e não em flecha, que interessa: “a startup chegou no meio dos mandacarus / você fala / que dá para ouvir os punhais sendo afiados / mas não chega à flor dos lábios o símile sagrado guardado em / sigilo enquanto corre em / você um rio de palavras”. São muitos e belos os biografemas que lemos entre os poemas dessa sessão (ver o poema “Por ora”), onde também a indignação com os contrastes de um dos países mais injustos do mundo sobressai em poemas como “O dragão branco” e “Brumadinho”.

Mesmo sabendo da impossibilidade de dar conta de todos as camadas do livro, chamo atenção, aqui no fim de minha apresentação, para um aspecto mais discreto da poética de Sílvia Saes e que é responsável por alguns de seus poemas que mais me ficaram gravados na mente e no coração. Falo da Sílvia retratista de poemas como “Floricultura” e “Temporal”. Há algo nesse olhar para a estaticidade do homem em sua floricultura e para o dinamismo da cena da mulher surpreendida pela chuva que mostra que a globalização da indiferença em que vivemos não é o único caminho, não é rua de mão única. Deste livro saímos com mais esperanças do que entramos.
Comprimento 23
Edição 1
Editora 7 LETRAS
ISBN 9786559055593
Largura 16
Páginas 92

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