Deter-se ao minúsculo e regatar o mínimo: com poucas palavras dizer o mais prenhe de sentido. A poesia de Ana Maria Vasconcelos transporta uma bolha de significantes essenciais prestes a estourar.
Como lembra a própria poeta, a ideia de transporte é o que está na raiz da palavra “metáfora”: “metáfora/ significa transporte/ ir de uma coisa à outra/ através da palavra”. Transferindo um sentido próprio até o seu sentido figurado, os versos de Longarinas mantêm um equilíbrio delicado que procura não estourar, de tão cheia, essa bolha de cenas minúsculas. Tudo é muito cinematográfico, embora a ação decorra apenas através de uma atenção zen, rente ao movimento mínimo.
Longarinas é já o quarto livro de Ana Maria, e se insere já num percurso bem definido que, de um lado, privilegia a forma curta, e, de outro, cria poemas articulados por uma linha bem mais que tênue.
Aqui as “linhas são imaginárias”, pois, desde a lição de Sophia de Mello Breyner, o poema “perfeito é não quebrar/ a imaginária linha”. É exatamente no desmembramento das partes articuladas ora em 5 ora 6 ou até 7 micropoemas que se levanta a força formal desse livro. Aliás, é na imagem escolhida para o título — o sistema de vigas de uma construção — que está a estrutura do livro e uma concepção possível para a poesia. Se o formato das longarinas de uma casa, ou ponte, ou passarela, ou qualquer estrutura concreta, lembra a mancha do verso na página, a substância desses versos aponta sobretudo para o inacabamento e para a finitude irreversível: “um texto é um corpo/ que se recusa/ a acabar”.
Sempre em diálogo com escritores que pensam o desejo e suas relações embricadas com o texto, as rememorações de Ana Maria de autores como Joyce, Barthes, Anne Carson, Blanchot não são mero name dropping, mas uma forma de continuar esse texto ininterrupto, plasmá-lo num corpo novo, fazê-lo nascer da orelha pela audição, nos dedos pela escrita. “um nome nasce em vermelho/ as cerejas de anne carson/ gotejam da minha orelha)”, diz a poeta em uma seção do ciclo “desaparição”.
A dada altura, o que essa poesia afirma querer é guardar algo, nem que seja um rascunho de poema traçado na areia, ou uma poeira propositadamente esquecida de varrer numa quina. Na ideia de resto repousa a concepção central dessa poesia um tanto contemplativa, um tanto repleta de substantivo concreto, repetindo as lições de João Cabral de Melo Neto, um tanto corajosa de se deparar com o vazio, deixá-lo agir na página, entre as vigas, porque também de espaço se faz a poesia.
Não poderia encerrar esse pequeno conselho de leitura sem me referir a uma atmosfera oracular desses versos. Os poemas se lançam como aquelas respostas que nos chegam bem depois de a pergunta ter sido feita. E por isso mesmo são enigmáticas: “mundanas/ todas as perguntas/ que fazemos às cartas”. No sistema de textos que compõe Longarinas, há da ordem de feitiços, mantras, questões ao tarot, mezinhas e orientações de regas de plantas. É a maneira de Vasconcelos lidar com o mundano, tarefa da poesia.
Como lembra a própria poeta, a ideia de transporte é o que está na raiz da palavra “metáfora”: “metáfora/ significa transporte/ ir de uma coisa à outra/ através da palavra”. Transferindo um sentido próprio até o seu sentido figurado, os versos de Longarinas mantêm um equilíbrio delicado que procura não estourar, de tão cheia, essa bolha de cenas minúsculas. Tudo é muito cinematográfico, embora a ação decorra apenas através de uma atenção zen, rente ao movimento mínimo.
Longarinas é já o quarto livro de Ana Maria, e se insere já num percurso bem definido que, de um lado, privilegia a forma curta, e, de outro, cria poemas articulados por uma linha bem mais que tênue.
Aqui as “linhas são imaginárias”, pois, desde a lição de Sophia de Mello Breyner, o poema “perfeito é não quebrar/ a imaginária linha”. É exatamente no desmembramento das partes articuladas ora em 5 ora 6 ou até 7 micropoemas que se levanta a força formal desse livro. Aliás, é na imagem escolhida para o título — o sistema de vigas de uma construção — que está a estrutura do livro e uma concepção possível para a poesia. Se o formato das longarinas de uma casa, ou ponte, ou passarela, ou qualquer estrutura concreta, lembra a mancha do verso na página, a substância desses versos aponta sobretudo para o inacabamento e para a finitude irreversível: “um texto é um corpo/ que se recusa/ a acabar”.
Sempre em diálogo com escritores que pensam o desejo e suas relações embricadas com o texto, as rememorações de Ana Maria de autores como Joyce, Barthes, Anne Carson, Blanchot não são mero name dropping, mas uma forma de continuar esse texto ininterrupto, plasmá-lo num corpo novo, fazê-lo nascer da orelha pela audição, nos dedos pela escrita. “um nome nasce em vermelho/ as cerejas de anne carson/ gotejam da minha orelha)”, diz a poeta em uma seção do ciclo “desaparição”.
A dada altura, o que essa poesia afirma querer é guardar algo, nem que seja um rascunho de poema traçado na areia, ou uma poeira propositadamente esquecida de varrer numa quina. Na ideia de resto repousa a concepção central dessa poesia um tanto contemplativa, um tanto repleta de substantivo concreto, repetindo as lições de João Cabral de Melo Neto, um tanto corajosa de se deparar com o vazio, deixá-lo agir na página, entre as vigas, porque também de espaço se faz a poesia.
Não poderia encerrar esse pequeno conselho de leitura sem me referir a uma atmosfera oracular desses versos. Os poemas se lançam como aquelas respostas que nos chegam bem depois de a pergunta ter sido feita. E por isso mesmo são enigmáticas: “mundanas/ todas as perguntas/ que fazemos às cartas”. No sistema de textos que compõe Longarinas, há da ordem de feitiços, mantras, questões ao tarot, mezinhas e orientações de regas de plantas. É a maneira de Vasconcelos lidar com o mundano, tarefa da poesia.
Características | |
Autor | Ana Maria Vasconcelos |
Biografia | Deter-se ao minúsculo e regatar o mínimo: com poucas palavras dizer o mais prenhe de sentido. A poesia de Ana Maria Vasconcelos transporta uma bolha de significantes essenciais prestes a estourar. Como lembra a própria poeta, a ideia de transporte é o que está na raiz da palavra “metáfora”: “metáfora/ significa transporte/ ir de uma coisa à outra/ através da palavra”. Transferindo um sentido próprio até o seu sentido figurado, os versos de Longarinas mantêm um equilíbrio delicado que procura não estourar, de tão cheia, essa bolha de cenas minúsculas. Tudo é muito cinematográfico, embora a ação decorra apenas através de uma atenção zen, rente ao movimento mínimo. Longarinas é já o quarto livro de Ana Maria, e se insere já num percurso bem definido que, de um lado, privilegia a forma curta, e, de outro, cria poemas articulados por uma linha bem mais que tênue. Aqui as “linhas são imaginárias”, pois, desde a lição de Sophia de Mello Breyner, o poema “perfeito é não quebrar/ a imaginária linha”. É exatamente no desmembramento das partes articuladas ora em 5 ora 6 ou até 7 micropoemas que se levanta a força formal desse livro. Aliás, é na imagem escolhida para o título — o sistema de vigas de uma construção — que está a estrutura do livro e uma concepção possível para a poesia. Se o formato das longarinas de uma casa, ou ponte, ou passarela, ou qualquer estrutura concreta, lembra a mancha do verso na página, a substância desses versos aponta sobretudo para o inacabamento e para a finitude irreversível: “um texto é um corpo/ que se recusa/ a acabar”. Sempre em diálogo com escritores que pensam o desejo e suas relações embricadas com o texto, as rememorações de Ana Maria de autores como Joyce, Barthes, Anne Carson, Blanchot não são mero name dropping, mas uma forma de continuar esse texto ininterrupto, plasmá-lo num corpo novo, fazê-lo nascer da orelha pela audição, nos dedos pela escrita. “um nome nasce em vermelho/ as cerejas de anne carson/ gotejam da minha orelha)”, diz a poeta em uma seção do ciclo “desaparição”. A dada altura, o que essa poesia afirma querer é guardar algo, nem que seja um rascunho de poema traçado na areia, ou uma poeira propositadamente esquecida de varrer numa quina. Na ideia de resto repousa a concepção central dessa poesia um tanto contemplativa, um tanto repleta de substantivo concreto, repetindo as lições de João Cabral de Melo Neto, um tanto corajosa de se deparar com o vazio, deixá-lo agir na página, entre as vigas, porque também de espaço se faz a poesia. Não poderia encerrar esse pequeno conselho de leitura sem me referir a uma atmosfera oracular desses versos. Os poemas se lançam como aquelas respostas que nos chegam bem depois de a pergunta ter sido feita. E por isso mesmo são enigmáticas: “mundanas/ todas as perguntas/ que fazemos às cartas”. No sistema de textos que compõe Longarinas, há da ordem de feitiços, mantras, questões ao tarot, mezinhas e orientações de regas de plantas. É a maneira de Vasconcelos lidar com o mundano, tarefa da poesia. |
Comprimento | 23 |
Edição | 1 |
Editora | 7 LETRAS |
ISBN | 9786559057443 |
Largura | 16 |
Páginas | 76 |