O livro do cão
As nossas lembranças são nossas? Ou nós é que pertencemos a elas? Você atravessa a rua e algo te atravessa. As lembranças são como espinhas. Nos interrompem – e como doem. O presente crivado de passado, como erupções na pele. São as lembranças, querendo sair. É o que aprendo sobre a relação entre o agora e o ocorrido neste O livro do cão de Gabriel Gonzalez, um poeta para quem a teoria da relatividade e a coexistência dos tempos no inconsciente se converteram em força, tema e dicção poéticas.
A coexistência dos tempos é também a dos sentidos. A palavra cão do título refere-se ao mesmo tempo a um cão (específico, que um carro, na memória, atravessa) e ao cão (metafísico, que reúne todas as possibilidades de cão). Por isso, o poeta sente que “seu cachorro morre muitas vezes / e isso é uma coisa simples”, objetiva, “reduzida de adornos ou adjetivos / seu cachorro morre e se desprende / de todo o lado subjetivo”.
Mas O livro do cão também se refere ao demo. Que figura resulta dessa sobreposição do um, do nenhum, de qualquer um e daquilo que dá medo? A do fantasma. O livro do cão imprime vida e morte, ficção e realidade, passado e presente como um só afeto, dimensão e temporalidade. E assim todo começo é também ruína: “uma infância ou um poema / tem algo da morte / algo de um corpo (ou muitos / corpos não se sabe)”.
Este é um livro de poemas, mas também um ensaio sobre memória e esquecimento, palavras e coisas, viver e morrer. Por isso Gabriel Gonzalez convoca procedimentos da poesia analítica de João Cabral de Melo Neto e do cinema ensaístico de Jean-Luc Godard. No entanto, embrulha esse tema em algo característico da infância. Às vezes em perguntas típicas das crianças (“para onde vão os cães?”); às vezes com seu ânimo e gracejo quando imitam a linguagem dos adultos (“vidas e doutrinas dos cães ilustres”).
Mas aqui também encontramos algo que funda a infância e que frequentemente esquecemos: o terror. E uma das formas do terror não é senão a dúvida. Por isso, O livro do cão se sustenta numa poética da incerteza. Nele, como num livro de Borges, cada fragmento da realidade é um labirinto. Não encontraremos aqui, no entanto, um Minotauro, mas um ser metade homem metade cão. Ele te conduz, com olhos tristes, para uma vida de cão.
E para onde vai o cão?
A coexistência dos tempos é também a dos sentidos. A palavra cão do título refere-se ao mesmo tempo a um cão (específico, que um carro, na memória, atravessa) e ao cão (metafísico, que reúne todas as possibilidades de cão). Por isso, o poeta sente que “seu cachorro morre muitas vezes / e isso é uma coisa simples”, objetiva, “reduzida de adornos ou adjetivos / seu cachorro morre e se desprende / de todo o lado subjetivo”.
Mas O livro do cão também se refere ao demo. Que figura resulta dessa sobreposição do um, do nenhum, de qualquer um e daquilo que dá medo? A do fantasma. O livro do cão imprime vida e morte, ficção e realidade, passado e presente como um só afeto, dimensão e temporalidade. E assim todo começo é também ruína: “uma infância ou um poema / tem algo da morte / algo de um corpo (ou muitos / corpos não se sabe)”.
Este é um livro de poemas, mas também um ensaio sobre memória e esquecimento, palavras e coisas, viver e morrer. Por isso Gabriel Gonzalez convoca procedimentos da poesia analítica de João Cabral de Melo Neto e do cinema ensaístico de Jean-Luc Godard. No entanto, embrulha esse tema em algo característico da infância. Às vezes em perguntas típicas das crianças (“para onde vão os cães?”); às vezes com seu ânimo e gracejo quando imitam a linguagem dos adultos (“vidas e doutrinas dos cães ilustres”).
Mas aqui também encontramos algo que funda a infância e que frequentemente esquecemos: o terror. E uma das formas do terror não é senão a dúvida. Por isso, O livro do cão se sustenta numa poética da incerteza. Nele, como num livro de Borges, cada fragmento da realidade é um labirinto. Não encontraremos aqui, no entanto, um Minotauro, mas um ser metade homem metade cão. Ele te conduz, com olhos tristes, para uma vida de cão.
E para onde vai o cão?
Características | |
Autor | Gabriel Gonzalez |
Biografia | As nossas lembranças são nossas? Ou nós é que pertencemos a elas? Você atravessa a rua e algo te atravessa. As lembranças são como espinhas. Nos interrompem – e como doem. O presente crivado de passado, como erupções na pele. São as lembranças, querendo sair. É o que aprendo sobre a relação entre o agora e o ocorrido neste O livro do cão de Gabriel Gonzalez, um poeta para quem a teoria da relatividade e a coexistência dos tempos no inconsciente se converteram em força, tema e dicção poéticas. A coexistência dos tempos é também a dos sentidos. A palavra cão do título refere-se ao mesmo tempo a um cão (específico, que um carro, na memória, atravessa) e ao cão (metafísico, que reúne todas as possibilidades de cão). Por isso, o poeta sente que “seu cachorro morre muitas vezes / e isso é uma coisa simples”, objetiva, “reduzida de adornos ou adjetivos / seu cachorro morre e se desprende / de todo o lado subjetivo”. Mas O livro do cão também se refere ao demo. Que figura resulta dessa sobreposição do um, do nenhum, de qualquer um e daquilo que dá medo? A do fantasma. O livro do cão imprime vida e morte, ficção e realidade, passado e presente como um só afeto, dimensão e temporalidade. E assim todo começo é também ruína: “uma infância ou um poema / tem algo da morte / algo de um corpo (ou muitos / corpos não se sabe)”. Este é um livro de poemas, mas também um ensaio sobre memória e esquecimento, palavras e coisas, viver e morrer. Por isso Gabriel Gonzalez convoca procedimentos da poesia analítica de João Cabral de Melo Neto e do cinema ensaístico de Jean-Luc Godard. No entanto, embrulha esse tema em algo característico da infância. Às vezes em perguntas típicas das crianças (“para onde vão os cães?”); às vezes com seu ânimo e gracejo quando imitam a linguagem dos adultos (“vidas e doutrinas dos cães ilustres”). Mas aqui também encontramos algo que funda a infância e que frequentemente esquecemos: o terror. E uma das formas do terror não é senão a dúvida. Por isso, O livro do cão se sustenta numa poética da incerteza. Nele, como num livro de Borges, cada fragmento da realidade é um labirinto. Não encontraremos aqui, no entanto, um Minotauro, mas um ser metade homem metade cão. Ele te conduz, com olhos tristes, para uma vida de cão. E para onde vai o cão? |
Comprimento | 21 |
Edição | 1 |
Editora | 7 LETRAS |
ISBN | 9786559057412 |
Largura | 14 |
Páginas | 112 |