A cada mudança de costumes ou mutação cultural, sucedem esperanças e promessas de dias melhores, porém mantêm-se impasses, cujas soluções, embora sugiram um tempo que passa, agem sobre o que se passou, transformando de maneira compulsória suas implicações futuras. Contradições, tomadas nesse modo ou temperamento de compreender os fatos do mundo, são contrapontos a serem desenvolvidos em simultaneidade e polifonia.

Este livro de Cristina Lindenmeyer não apenas se empenha em tal visada, como provoca ampla repercussão no entendimento da economia psíquica em jogo nas modificações da realidade interna do sujeito decorrentes de situações traumáticas ou de adoecimento. Em suas páginas, encontra-se uma afinada elaboração acerca do que é específico ao corpo feminino e às formas em que ele é inscrito e se inscreve nas práticas culturais e discursos contemporâneos. As reflexões desenvolvidas, impulsionadas por sua prática clínica em hospitais e em seu consultório privado, são uma venturosa oportunidade de apreender como, por meio de representações a um só tempo singulares e coletivas, o corpo das mulheres se torna um lugar privilegiado para a formação de sintomas e a precipitação do que se produz por meio da história e do desejo.

Seus quatro capítulos, entremeados de casos clínicos, cuja análise delineia um frutífero campo de debate teórico, abordam o rastreamento preventivo e a detecção precoce do câncer, em que muitas vezes o sujeito se torna paci­ente antes mesmo de sentir-se doente; o uso inapropriado de conceitos psicanalíticos no contexto médico e em postulados psicos­somáticos; a anorexia; as cirurgias estéticas e o suposto aperfeiçoamento do corpo em reparações, regenerações, reconstruções e acréscimos tornados possíveis pelos atuais avanços tecno­lógicos e científicos; e o recurso a próteses em casos de malformação corporal congênita.