TERRORISMO

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  • EditoraALMEDINA
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A ambivalência A intimidade com o terrorismo global vai sendo aprofundada à medida que o espaço ocidental, objecto prioritário da agressão em curso, recebe sucessivos golpes que atingem, mais do que interesses materiais, a sua confiança nas instituições que organizou para manterem uma ordem no mundo, a confiança das sociedades civis nos respectivos governos, a confiança na capacidade das forças de segurança e de defesa, a fidelidade aos valores matriciais da sua cultura. O processo de abandono da regência imperial dos ocidentais sobre o mundo dos povos que qualificaram de bárbaros e selvagens, recuo que se consumou no século XX, deixara sobrevivente a confiança no modelo observante da ordem internacional com expressão na Carta da ONU e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, entregues à responsabilidade das várias organizações que se definiram para agir nos domínios da economia, da segurança, da cultura, do desenvolvimento. Um escritor imaginativo, Zygmunt Bauman, chamou a esta estratégia o método da jardinagem, confiante numa racional idade que abandonava o método da soberania colonial, mas não a perspectiva reguladora do globalismo crescente, disciplinado pêlos critérios ainda ocidentais. O facto de a transição dos modelos de intervenção ter produzido a novidade histórica de todas e cada uma das áreas culturais do mundo falarem com voz própria na cena internacional, fez com que lessem o normativismo decretado à nova luz das suas escalas de valores, introduzindo a instabilidade nas estruturas, e o recurso à violência que se tornou esdrúxula com o terrorismo global. A NATO, a organização de defesa que sobreviveu à queda do Muro de Berlim em 1989, quando celebrou o seu meio século de existência, em Whasington, capital da superpotência sobrante, no ano de 1999, tomou consciência da mudança, e por isso aprovou um novo conceito estratégico em que identificou o terrorismo internacional como um dos riscos que ameaçavam os Estados membros. Tal como frequentemente aconteceu com as guerras do passado, a experiência anterior não habilita a enfrentar a novidade das agressões, e o atentado de 11 de Setembro de 2001, que derrubou as Torres Gémeas, mostrou que a identificação do risco não foi seguida pela definição de uma nova estratégia adequada, nem pela NATO nem pêlos Estados membros. Os EUA, humilhados e ofendidos pela Al Qaeda, trataram de rever em crise a política de segurança, assinando em 17 de Setembro de 2002, um ano depois, a nova estratégia de Segurança Nacional complementada, em Fevereiro de 2003, por uma Estratégia Nacional para combater o Terrorismo; a França decidiu rever o seu Plan Vigipirata de 1978, para enfrentar a nova ameaça, definindo a intervenção do Exército nas acções preventivas internas; a NATO, na Cimeira de Praga de 2002, elaborou o Conceito Militar MC-472 com o mesmo objectivo; e a Espanha, que haveria de ser gravemente atingida, aprovou em Fevereiro de 2003 a Revisão Estratégica de Defesa, incluindo na revisão o "terrorismo exterior dirigido contra o Ocidente", e convocando as Forças Armadas para enfrentarem essa ameaça no âmbito da NATO e da União Europeia, nas operações de paz e ajuda humanitária, e no apoio às forças de segurança do Estado. O atentado de 11 de Março em Madrid demonstrou que a relação entre a ameaça do terrorismo global e a resposta de segurança não encontrou modelo adequado, assim como o unilateralismo dos EUA, evidenciado no Iraque, parece ter implantado um perigo global para todos os ocidentais sem ter conseguido contribuir para uma doutrina de segurança que aproveite à paz mundial. A leitura dos efeitos colaterais acrescentados pela intervenção no Iraque aos produzidos pela agressão sofrida, incluindo a instabilidade que atingiu o Conselho de Segurança, a NATO, e a União Europeia, mais o descrédito que feriu os governos da coligação aleatória que agiu sem plano de ocupação do território, criando o vazio de representatividade do Estado iraquiano, alienando a confiança da população, e mostrando a falta de fundamento da alegada existência de armas de destruição maciça, vai consentindo uma identificação vagarosa dos perfis do agressor e da agressão, das causas e das motivações, e das estratégias inovadoras. Uma das principais embaraçantes novidades é que está definitivamente em crise o princípio, firmado em Westfália, de ser o Estado não só o único legítimo titular da violência, mas também de facto a única entidade capaz de fazer a guerra. O fim do bipolarismo, em 1989, não confirmou a esperança dos dividendos da paz, porque se multiplicaram as capacidades de recorrer às armas estratégicas, porque se multiplicaram os conflitos, mas a maioria deles foram o que chamamos conflitos assimétricos, com evidência para o terrorismo adoptado por actores que não são Estados, mas estão habilitados a desafiar os Estados. Estes não se defrontam com adversários apoiados numa sociedade civil da qual são o instrumento, usando exércitos convencionais, às ordens de um governo correspondente ao normativismo internacional: o terrorismo, em vez de enfrentar os exércitos, ataca brutalmente as populações inocentes para quebrar o pilar da confiança que as liga ao poder legítimo, explora os meios de comunicação social do adversário que potenciam os efeitos dissolventes dos atentados, tendo por alvo também os tempos que permitam a transmissão em directo, como aconteceu com os atentados de 11 de Setembro e de 11 de Março. Como notaram Ignatio Ramonet, jornalista (Le Monde Diplomatique), e Miguel Ballesteros, militar (Revista Expanola de Defensa) a emoção causada pelo telediário faz parte da agressão. O uso da técnica do santuário, herdada da experiência do terrorismo territorializado, permitiu-lhe a utilização protectora das barreiras das fronteiras geográficas estaduais, abusar da livre circulação de pessoas para constituir colónias interiores adormecidas no seio das sociedades civis que são alvo em perspectiva, aprender a manipulação das redes financeiras e informáticas que servem o transnacionalismo, animar a subversão a cargo de descontentamentos locais, manipular as teorias de justificação incorporando valores religiosos no apregoado conceito estratégico, descentralizar as iniciativas, não tornar claros os objectivos, manter o clima de vitória pelo simples facto de subsistir. Respingando contribuições que se articulam ao longo dos tempos para racionalizar a violência, designadamente o testemunho do cura Meslier, morto pela greve da fome em 1730, a intervenção do padre Jacques Roux que Marx considerou um antecessor do comunismo, a doutrinação da guerra das massas populares de Mao e Giap, a experiência dos artistas da guerrilha como Che Guevara, talvez a mensagem, que este pareceu confiar a Debray, seja uma premissa do terrorismo global: "pouco importa onde nos surpreenderá a morte: que ela seja bem vinda, desde que o nosso grito de guerra seja escutado, que outra mão se estenda para empunhar as nossas armas, e que outros homens se decidam a entoar os cantos de tristeza com um acompanhamento de metralhadoras e novos gritos de guerra e de vitória". O ambiente romântico em que se desenvolveu a premissa, não deixou antever que a ordem mundial assente na ameaça do holocausto, que foi a dos Pactos Militares (NATO-VARSÓVIA), se dissolveria ao mesmo tempo que os agentes não estaduais da guerra assimétrica se assumiam como titulares do terrorismo global. Para finalmente tudo confirmar que os ocidentais são o inimigo eleito pela ponta de lança muçulmana que é a Al Qaeda, orientada pela convicção de que para a violência estrutural do Ocidente apenas o terrorismo global é a resposta eficaz. O Estado democraticamente estruturado, tem de enfrentar um inimigo dotado de agilidade imprevisível e clandestino, procurando, em regime de contingência, organizar a prevenção contra agentes para os quais, comprovadamente, morrer não é um risco. Acrescendo a dificuldade de interpretar as cláusulas da solidariedade das alianças, como a NATO, como abrangentes de uma agressão que não tem origem num Estado tal como o direito internacional os define. Por isso é também necessário reformular as cooperações internacionais, começando pêlos serviços de informação e pelo reconhecimento de que há uma diferença de natureza entre um perigo ou ameaça internacional, e um perigo ou ameaça transnacional, esta exigindo algum desarme das tradicionais reservas de soberania. E também reformular os conceitos delimitadores das intervenções das forças de segurança e das forças armadas, porque a ameaça e a agressão não têm relação com as antigas fronteiras geográficas. Este plano de contingência vem antes, mas não pode adiar, a investigação das causas profundas desta situação de conflito entre poderes que apelam a identificações culturais, incluindo as diferenças religiosas, nem dilatar a rápida eliminação dos focos de destabilização como são os casos de Israel e da intervenção no Iraque. Ambos têm íntima relação com a deriva unilateralista dos EUA, convindo avaliar a incidência desta tendência na crescente agressividade do terrorismo global. Na doutrina estratégica do interesse nacional permanente da superpotência sobrante houve uma evolução, que passando por Hans Morgen-thau, E. H. Carr, George Kennan, encontrou em Person Strange a analista mais heterodoxa porque, como disse Cox, abandonou a definição do mundo em termos de Estados, para procurar a sede do poder em várias outras entidades, especialmente na área da economia (The defective State, Daedalus 24, 1995). Mas não previu que o excesso de poder inclinaria os EUA para o internacionalismo em cruzadas, risco que Kissinger sublinhou com alarme (Diplomacy, 1994). Provavelmente, o mais agudo crítico doméstico dessa deriva foi Noam Chomsky, que o seu contraditor The New York Times todavia considerou como "tf mais importante intelectual vivo". Esta condescendência não comoveu o autor, que viu na primeira guerra do Iraque o exercício de uma lógica fria dos interesses geopolíticos, com uma sinuosa linha de alianças e repúdios, mas movida no mesmo plano da intervenção na Nicarágua, da operação Causa Justa contra o Panamá, ou das operações didáticas da Turquia em Chipre, da Indonésia em Timor, de Israel no Líbano (World orders old and new, 1994). Para depois voltar mais asperamente à crítica da segunda guerra do Iraque, para sustentar que as políticas militares e globalistas dos EUA, incluindo o projecto de militarização do espaço, a displicência cm relação ao direito internacional, e a estratégia assumida contra o terrorismo, visam uma hegemonia que ameaça a nossa própria sobrevivência (Hegemony or survival, 2004). Não faltam outras perspectivas menos alarmantes, e sobretudo de justificação da visão republicana do governo dos EUA, mas esta referida linha doméstica ajuda a impedir que as críticas, não apenas europeias, ao unilateralismo sejam confundidas com um anti-americanismo que apenas contribui para esquecer a dolorosa solidariedade de duas guerras mundiais, e para dar alento à visão da decadência do ocidente. A linha crítica que pretende impedir a deterioração da solidariedade atlântica, tem como premissa a valia para a paz mundial do respeito pelo direito internacional, pelas sedes de legitimidade existentes a começar pela ONU, pela identidade da cultura ocidental, e tem como evidente que os unilateralismos ocidentais agravam o irracionalismo da ameaça que a intervenção no Iraque agudizou. Sobretudo porque a ambivalência da política errática multiplica as incertezas do mundo em relação à confiabilidade das potências interventoras. A guerra, entre outros condicionamentos, implica a suspensão de um mandamento fundamental: não matarás. Por isso é tão exigente a avaliação da justiça da guerra, tão minuciosa e ao mesmo tempo frágil a averiguação do limite a partir do qual a suspensão do mandamento é justificada. Esta fragilidade na determinação da guerra justa lida com um limite ético da acção empreendida que é não violar o respeito pela dignidade humana que o adversário igualmente tem. O perigo da ambivalência está sempre presente nessa subida aos extremos, e os órgãos incumbidos de velar pelo cumprimento dos imperativos legais vivem na contingência de serem ignorados. A sociologia da guerra não dispensa um capítulo sobre a desumanidade, que se torna mais aguda quando a ambivalência se manifesta em intervenções desencadeadas em nome dos direitos humanos, e da salvaguarda da paz ameaçada. E difícil não pressentir que esta contingência foi tomada em conta pela administração republicana dos EUA quando teve a cautela de recusar a jurisdição penal internacional em relação a qualquer eventual empenhamento das suas tropas, sem nunca recusar a prática das jurisdições penais de vencedores. Já eram efeitos colaterais difíceis de absorver pela credibilidade ocidental as dúvidas sobre a autenticidade das razões apontadas para dispensar a ONU no processo do Iraque, a falta de comprovação no terreno da existência das armas de destruição maciça, o abalo das sedes internacionais da ordem que ainda subsiste, a instabilidade dos governos que aderiram à coligação. Não foi possível explicar a total falta de planificação para assegurar uma gestão ao menos razoável num país cujos aparelhos administrativos e de segurança foram desmantelados, eliminando a hipótese de ter um interlocutor válido para a paz. Uma tecnocracia da violência adoptou simplificadamente a regra da "acção com um propósito", o que finalmente teve no Iraque uma demonstração de laboratório com a total indignidade a que foram submetidos os prisioneiros de guerra. A ambivalência atingiu limites que exigem uma urgente gestão de limitação dos danos causados à credibilidade ocidental. A invocação de razões técnicas, relacionadas com o rigor dos inquéritos, e a pretendida justificação dos executantes pelo dever de obediência, acrescentam à indignidade do tratamento infligido aos detidos uma total displicência pela relação do saber com os valores, e uma deliberada rejeição do princípio da obediência crítica que vigorou em Nuremberga para fundamentar a condenação dos vencidos. A ambivalência, na sua lógica, é conduzida até ao ponto da "eliminação da identidade moral das suas vítimas", o que teve demonstrações, por exemplo, na guerra do Pacífico, quando foi mobilizada a cólera dos combatentes contra os japoneses que tinham ferido severamente a dignidade americana, e que está a ser demonstrado pelo terrorismo global que faz dos inocentes o penhor do ambicionado êxito. Uma convergência que tem uma imperdoável consequência, que é implantar a ambivalência como imagem de todos os ocidentais. O repúdio implica responsabilidades e consequências. Adriano Moreira Índice Prefácio A ambivalência, por Adriano Moreira I - Terrorismo: o apocalipse da Razão? (islamismo político, sociedade, economia), por Adelino Torres II - Insegurança sem Fronteiras: o Martírio dos Inocentes, por Adriano Moreira III – El terrorismo hoy, por Manuel Fraga Iribarne IV - O terrorismo na Bíblia, por Peter Stilwell V - O intelectual, a motivação artística e o terrorismo VI - Análisis jurídico del terrorismo, por José Garcia San Pedro VII - Uma visão militar sobre o terrorismo, por Garcia Leandro VIII - Terrorismo - Fundamento de restrição de Direitos?, por Manuel Valente IX - As sociedades contemporâneas e a ameaça terrorista, por Luís Fiães Fernandes X - A Jihad Global e o contexto europeu, por Maria do Céu Pinto XI - Terrorismo(s) e usos das Tecnologias da Informação e da Comunicação, por Maria João Simões XII - O novo terrorismo internacional como desafio emergente de segurança, por Nuno Rogeiro Índice onomástico
Características
Ano de publicação 2004
Autor MOREIRA, ADRIANO JOSE ALVES
Biografia A ambivalência A intimidade com o terrorismo global vai sendo aprofundada à medida que o espaço ocidental, objecto prioritário da agressão em curso, recebe sucessivos golpes que atingem, mais do que interesses materiais, a sua confiança nas instituições que organizou para manterem uma ordem no mundo, a confiança das sociedades civis nos respectivos governos, a confiança na capacidade das forças de segurança e de defesa, a fidelidade aos valores matriciais da sua cultura. O processo de abandono da regência imperial dos ocidentais sobre o mundo dos povos que qualificaram de bárbaros e selvagens, recuo que se consumou no século XX, deixara sobrevivente a confiança no modelo observante da ordem internacional com expressão na Carta da ONU e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, entregues à responsabilidade das várias organizações que se definiram para agir nos domínios da economia, da segurança, da cultura, do desenvolvimento. Um escritor imaginativo, Zygmunt Bauman, chamou a esta estratégia o método da jardinagem, confiante numa racional idade que abandonava o método da soberania colonial, mas não a perspectiva reguladora do globalismo crescente, disciplinado pêlos critérios ainda ocidentais. O facto de a transição dos modelos de intervenção ter produzido a novidade histórica de todas e cada uma das áreas culturais do mundo falarem com voz própria na cena internacional, fez com que lessem o normativismo decretado à nova luz das suas escalas de valores, introduzindo a instabilidade nas estruturas, e o recurso à violência que se tornou esdrúxula com o terrorismo global. A NATO, a organização de defesa que sobreviveu à queda do Muro de Berlim em 1989, quando celebrou o seu meio século de existência, em Whasington, capital da superpotência sobrante, no ano de 1999, tomou consciência da mudança, e por isso aprovou um novo conceito estratégico em que identificou o terrorismo internacional como um dos riscos que ameaçavam os Estados membros. Tal como frequentemente aconteceu com as guerras do passado, a experiência anterior não habilita a enfrentar a novidade das agressões, e o atentado de 11 de Setembro de 2001, que derrubou as Torres Gémeas, mostrou que a identificação do risco não foi seguida pela definição de uma nova estratégia adequada, nem pela NATO nem pêlos Estados membros. Os EUA, humilhados e ofendidos pela Al Qaeda, trataram de rever em crise a política de segurança, assinando em 17 de Setembro de 2002, um ano depois, a nova estratégia de Segurança Nacional complementada, em Fevereiro de 2003, por uma Estratégia Nacional para combater o Terrorismo; a França decidiu rever o seu Plan Vigipirata de 1978, para enfrentar a nova ameaça, definindo a intervenção do Exército nas acções preventivas internas; a NATO, na Cimeira de Praga de 2002, elaborou o Conceito Militar MC-472 com o mesmo objectivo; e a Espanha, que haveria de ser gravemente atingida, aprovou em Fevereiro de 2003 a Revisão Estratégica de Defesa, incluindo na revisão o "terrorismo exterior dirigido contra o Ocidente", e convocando as Forças Armadas para enfrentarem essa ameaça no âmbito da NATO e da União Europeia, nas operações de paz e ajuda humanitária, e no apoio às forças de segurança do Estado. O atentado de 11 de Março em Madrid demonstrou que a relação entre a ameaça do terrorismo global e a resposta de segurança não encontrou modelo adequado, assim como o unilateralismo dos EUA, evidenciado no Iraque, parece ter implantado um perigo global para todos os ocidentais sem ter conseguido contribuir para uma doutrina de segurança que aproveite à paz mundial. A leitura dos efeitos colaterais acrescentados pela intervenção no Iraque aos produzidos pela agressão sofrida, incluindo a instabilidade que atingiu o Conselho de Segurança, a NATO, e a União Europeia, mais o descrédito que feriu os governos da coligação aleatória que agiu sem plano de ocupação do território, criando o vazio de representatividade do Estado iraquiano, alienando a confiança da população, e mostrando a falta de fundamento da alegada existência de armas de destruição maciça, vai consentindo uma identificação vagarosa dos perfis do agressor e da agressão, das causas e das motivações, e das estratégias inovadoras. Uma das principais embaraçantes novidades é que está definitivamente em crise o princípio, firmado em Westfália, de ser o Estado não só o único legítimo titular da violência, mas também de facto a única entidade capaz de fazer a guerra. O fim do bipolarismo, em 1989, não confirmou a esperança dos dividendos da paz, porque se multiplicaram as capacidades de recorrer às armas estratégicas, porque se multiplicaram os conflitos, mas a maioria deles foram o que chamamos conflitos assimétricos, com evidência para o terrorismo adoptado por actores que não são Estados, mas estão habilitados a desafiar os Estados. Estes não se defrontam com adversários apoiados numa sociedade civil da qual são o instrumento, usando exércitos convencionais, às ordens de um governo correspondente ao normativismo internacional: o terrorismo, em vez de enfrentar os exércitos, ataca brutalmente as populações inocentes para quebrar o pilar da confiança que as liga ao poder legítimo, explora os meios de comunicação social do adversário que potenciam os efeitos dissolventes dos atentados, tendo por alvo também os tempos que permitam a transmissão em directo, como aconteceu com os atentados de 11 de Setembro e de 11 de Março. Como notaram Ignatio Ramonet, jornalista (Le Monde Diplomatique), e Miguel Ballesteros, militar (Revista Expanola de Defensa) a emoção causada pelo telediário faz parte da agressão. O uso da técnica do santuário, herdada da experiência do terrorismo territorializado, permitiu-lhe a utilização protectora das barreiras das fronteiras geográficas estaduais, abusar da livre circulação de pessoas para constituir colónias interiores adormecidas no seio das sociedades civis que são alvo em perspectiva, aprender a manipulação das redes financeiras e informáticas que servem o transnacionalismo, animar a subversão a cargo de descontentamentos locais, manipular as teorias de justificação incorporando valores religiosos no apregoado conceito estratégico, descentralizar as iniciativas, não tornar claros os objectivos, manter o clima de vitória pelo simples facto de subsistir. Respingando contribuições que se articulam ao longo dos tempos para racionalizar a violência, designadamente o testemunho do cura Meslier, morto pela greve da fome em 1730, a intervenção do padre Jacques Roux que Marx considerou um antecessor do comunismo, a doutrinação da guerra das massas populares de Mao e Giap, a experiência dos artistas da guerrilha como Che Guevara, talvez a mensagem, que este pareceu confiar a Debray, seja uma premissa do terrorismo global: "pouco importa onde nos surpreenderá a morte: que ela seja bem vinda, desde que o nosso grito de guerra seja escutado, que outra mão se estenda para empunhar as nossas armas, e que outros homens se decidam a entoar os cantos de tristeza com um acompanhamento de metralhadoras e novos gritos de guerra e de vitória". O ambiente romântico em que se desenvolveu a premissa, não deixou antever que a ordem mundial assente na ameaça do holocausto, que foi a dos Pactos Militares (NATO-VARSÓVIA), se dissolveria ao mesmo tempo que os agentes não estaduais da guerra assimétrica se assumiam como titulares do terrorismo global. Para finalmente tudo confirmar que os ocidentais são o inimigo eleito pela ponta de lança muçulmana que é a Al Qaeda, orientada pela convicção de que para a violência estrutural do Ocidente apenas o terrorismo global é a resposta eficaz. O Estado democraticamente estruturado, tem de enfrentar um inimigo dotado de agilidade imprevisível e clandestino, procurando, em regime de contingência, organizar a prevenção contra agentes para os quais, comprovadamente, morrer não é um risco. Acrescendo a dificuldade de interpretar as cláusulas da solidariedade das alianças, como a NATO, como abrangentes de uma agressão que não tem origem num Estado tal como o direito internacional os define. Por isso é também necessário reformular as cooperações internacionais, começando pêlos serviços de informação e pelo reconhecimento de que há uma diferença de natureza entre um perigo ou ameaça internacional, e um perigo ou ameaça transnacional, esta exigindo algum desarme das tradicionais reservas de soberania. E também reformular os conceitos delimitadores das intervenções das forças de segurança e das forças armadas, porque a ameaça e a agressão não têm relação com as antigas fronteiras geográficas. Este plano de contingência vem antes, mas não pode adiar, a investigação das causas profundas desta situação de conflito entre poderes que apelam a identificações culturais, incluindo as diferenças religiosas, nem dilatar a rápida eliminação dos focos de destabilização como são os casos de Israel e da intervenção no Iraque. Ambos têm íntima relação com a deriva unilateralista dos EUA, convindo avaliar a incidência desta tendência na crescente agressividade do terrorismo global. Na doutrina estratégica do interesse nacional permanente da superpotência sobrante houve uma evolução, que passando por Hans Morgen-thau, E. H. Carr, George Kennan, encontrou em Person Strange a analista mais heterodoxa porque, como disse Cox, abandonou a definição do mundo em termos de Estados, para procurar a sede do poder em várias outras entidades, especialmente na área da economia (The defective State, Daedalus 24, 1995). Mas não previu que o excesso de poder inclinaria os EUA para o internacionalismo em cruzadas, risco que Kissinger sublinhou com alarme (Diplomacy, 1994). Provavelmente, o mais agudo crítico doméstico dessa deriva foi Noam Chomsky, que o seu contraditor The New York Times todavia considerou como "tf mais importante intelectual vivo". Esta condescendência não comoveu o autor, que viu na primeira guerra do Iraque o exercício de uma lógica fria dos interesses geopolíticos, com uma sinuosa linha de alianças e repúdios, mas movida no mesmo plano da intervenção na Nicarágua, da operação Causa Justa contra o Panamá, ou das operações didáticas da Turquia em Chipre, da Indonésia em Timor, de Israel no Líbano (World orders old and new, 1994). Para depois voltar mais asperamente à crítica da segunda guerra do Iraque, para sustentar que as políticas militares e globalistas dos EUA, incluindo o projecto de militarização do espaço, a displicência cm relação ao direito internacional, e a estratégia assumida contra o terrorismo, visam uma hegemonia que ameaça a nossa própria sobrevivência (Hegemony or survival, 2004). Não faltam outras perspectivas menos alarmantes, e sobretudo de justificação da visão republicana do governo dos EUA, mas esta referida linha doméstica ajuda a impedir que as críticas, não apenas europeias, ao unilateralismo sejam confundidas com um anti-americanismo que apenas contribui para esquecer a dolorosa solidariedade de duas guerras mundiais, e para dar alento à visão da decadência do ocidente. A linha crítica que pretende impedir a deterioração da solidariedade atlântica, tem como premissa a valia para a paz mundial do respeito pelo direito internacional, pelas sedes de legitimidade existentes a começar pela ONU, pela identidade da cultura ocidental, e tem como evidente que os unilateralismos ocidentais agravam o irracionalismo da ameaça que a intervenção no Iraque agudizou. Sobretudo porque a ambivalência da política errática multiplica as incertezas do mundo em relação à confiabilidade das potências interventoras. A guerra, entre outros condicionamentos, implica a suspensão de um mandamento fundamental: não matarás. Por isso é tão exigente a avaliação da justiça da guerra, tão minuciosa e ao mesmo tempo frágil a averiguação do limite a partir do qual a suspensão do mandamento é justificada. Esta fragilidade na determinação da guerra justa lida com um limite ético da acção empreendida que é não violar o respeito pela dignidade humana que o adversário igualmente tem. O perigo da ambivalência está sempre presente nessa subida aos extremos, e os órgãos incumbidos de velar pelo cumprimento dos imperativos legais vivem na contingência de serem ignorados. A sociologia da guerra não dispensa um capítulo sobre a desumanidade, que se torna mais aguda quando a ambivalência se manifesta em intervenções desencadeadas em nome dos direitos humanos, e da salvaguarda da paz ameaçada. E difícil não pressentir que esta contingência foi tomada em conta pela administração republicana dos EUA quando teve a cautela de recusar a jurisdição penal internacional em relação a qualquer eventual empenhamento das suas tropas, sem nunca recusar a prática das jurisdições penais de vencedores. Já eram efeitos colaterais difíceis de absorver pela credibilidade ocidental as dúvidas sobre a autenticidade das razões apontadas para dispensar a ONU no processo do Iraque, a falta de comprovação no terreno da existência das armas de destruição maciça, o abalo das sedes internacionais da ordem que ainda subsiste, a instabilidade dos governos que aderiram à coligação. Não foi possível explicar a total falta de planificação para assegurar uma gestão ao menos razoável num país cujos aparelhos administrativos e de segurança foram desmantelados, eliminando a hipótese de ter um interlocutor válido para a paz. Uma tecnocracia da violência adoptou simplificadamente a regra da "acção com um propósito", o que finalmente teve no Iraque uma demonstração de laboratório com a total indignidade a que foram submetidos os prisioneiros de guerra. A ambivalência atingiu limites que exigem uma urgente gestão de limitação dos danos causados à credibilidade ocidental. A invocação de razões técnicas, relacionadas com o rigor dos inquéritos, e a pretendida justificação dos executantes pelo dever de obediência, acrescentam à indignidade do tratamento infligido aos detidos uma total displicência pela relação do saber com os valores, e uma deliberada rejeição do princípio da obediência crítica que vigorou em Nuremberga para fundamentar a condenação dos vencidos. A ambivalência, na sua lógica, é conduzida até ao ponto da "eliminação da identidade moral das suas vítimas", o que teve demonstrações, por exemplo, na guerra do Pacífico, quando foi mobilizada a cólera dos combatentes contra os japoneses que tinham ferido severamente a dignidade americana, e que está a ser demonstrado pelo terrorismo global que faz dos inocentes o penhor do ambicionado êxito. Uma convergência que tem uma imperdoável consequência, que é implantar a ambivalência como imagem de todos os ocidentais. O repúdio implica responsabilidades e consequências. Adriano Moreira Índice Prefácio A ambivalência, por Adriano Moreira I - Terrorismo: o apocalipse da Razão? (islamismo político, sociedade, economia), por Adelino Torres II - Insegurança sem Fronteiras: o Martírio dos Inocentes, por Adriano Moreira III – El terrorismo hoy, por Manuel Fraga Iribarne IV - O terrorismo na Bíblia, por Peter Stilwell V - O intelectual, a motivação artística e o terrorismo VI - Análisis jurídico del terrorismo, por José Garcia San Pedro VII - Uma visão militar sobre o terrorismo, por Garcia Leandro VIII - Terrorismo - Fundamento de restrição de Direitos?, por Manuel Valente IX - As sociedades contemporâneas e a ameaça terrorista, por Luís Fiães Fernandes X - A Jihad Global e o contexto europeu, por Maria do Céu Pinto XI - Terrorismo(s) e usos das Tecnologias da Informação e da Comunicação, por Maria João Simões XII - O novo terrorismo internacional como desafio emergente de segurança, por Nuno Rogeiro Índice onomástico
Comprimento 23
Edição 2
Editora ALMEDINA
ISBN 9789724023199
Lançamento 01/01/2004
Largura 16
Páginas 570

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